quinta-feira, 13 de maio de 2021

13 DE MAIO: COMO DATA DA ABOLIÇÃO ACABOU ECLIPSADA EM NOME DO PROTAGONISMO NEGRO


(Foto: Getty Images/Via BBC)

Os antigos livros escolares não poupavam adjetivos para enaltecer a princesa Isabel (1846-1921), que herdaria o trono brasileiro caso a República não houvesse sido proclamada em 1889. Enfatizando o episódio da Lei Áurea, sancionada por ela em 13 de maio de 1888, abolindo a escravidão em todo o território nacional, a monarca era definida como heroína, salvadora, redentora, libertadora.

E a data do 13 de maio entendida como um marco, sobretudo para a população negra brasileira.

Mas o tempo passou e a própria historiografia passou a ser atualizada. Porque não faz muito sentido que o protagonismo da luta negra seja de uma mulher branca, reforçou-se no imaginário nacional outra data: o 20 de novembro, dia em que teria sido assassinado o último líder do quilombo dos Palmares, Zumbi (1655-1695), hoje reconhecido como um símbolo da resistência negra.

"Quando tratamos dessa questão de datas, o 13 de maio em contraponto ao 20 de novembro, estamos tratando intrinsecamente da questão do protagonismo", afirma o historiador Philippe Arthur dos Reis, pesquisador na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "E do entendimento do protagonismo de determinados agentes no processo de luta e de conquista da liberdade frente à escravidão, no caso do povo negro."

"Esse processo de procura de uma nova data tem a ver com o próprio processo de escrita da história. Não podemos esquecer que a partir dos anos 1970 e 1980, existe toda uma narrativa que busca colocar em determinados agentes o seu protagonismo no processo de compreensão do passado", prossegue Reis.

"Historiografias mais tradicionais, do começo do século 20, encaravam e colocavam como data fulcral para a questão da libertação dos escravos o 13 de maio", frisa o historiador. Mas, conforme ele explica, muitas vezes história e memória caminham juntas e a "construção memorialística" têm a ver com a forma de construção da narrativa. "Justamente nesse ponto, para conferir protagonismo ao negro, se coloca a figura do quilombo dos Palmares e o processo de luta frente ao domínio colonial", contextualiza.

O pesquisador Paulo Rezzutti, autor de diversos livros sobre o período monarquista brasileiro, reconhece a importância dessa revisão mas, ao mesmo tempo, preocupa-se em valorizar também a questão de gênero: Isabel, uma mulher do século 19, teve um papel importante na história do Brasil.

"Toda tradição é inventada, isso é um fato. Estamos vendo uma parte da sociedade brasileira criar uma nova tradição na qual os movimentos negros assumem o protagonismo por meio do discurso de uma luta ancestral dos escravizados africanos no Brasil pela sua liberdade", comenta ele.

"Anteriormente, o discurso dessa luta estava bastante ligado ao 13 de maio e à figura da princesa Isabel por causa da data em que foi assinada a Lei Áurea. Tanto a luta ancestral dos escravizados quanto a luta pela abolição da escravatura são importantes", acrescenta Rezzutti. "O que eu tenho percebido é que parte dessa nova tradição tenta se estabelecer buscando anular o 13 de maio, e com isso o protagonismo de uma mulher, diminuindo a sua participação no processo, assim como também a de outros protagonistas negros envolvidos na abolição da escravatura."

BBC/G1

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