Os antigos livros escolares não poupavam adjetivos para
enaltecer a princesa Isabel (1846-1921), que herdaria o trono brasileiro caso a
República não houvesse sido proclamada em 1889. Enfatizando o episódio da Lei Áurea, sancionada por ela em 13 de
maio de 1888, abolindo a escravidão em todo o território nacional, a monarca
era definida como heroína, salvadora, redentora, libertadora.
E a data do 13 de maio
entendida como um marco, sobretudo para a população negra brasileira.
Mas o tempo passou e a
própria historiografia passou a ser atualizada. Porque não faz muito sentido que o protagonismo da luta negra seja de uma
mulher branca, reforçou-se no imaginário nacional outra data: o 20 de novembro, dia em que teria sido assassinado o último líder do
quilombo dos Palmares, Zumbi (1655-1695), hoje reconhecido como um símbolo da
resistência negra.
"Quando
tratamos dessa questão de datas, o 13 de maio em contraponto ao 20 de novembro,
estamos tratando intrinsecamente da questão do protagonismo", afirma o
historiador Philippe Arthur dos Reis, pesquisador na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). "E do entendimento do protagonismo de determinados
agentes no processo de luta e de conquista da liberdade frente à escravidão, no
caso do povo negro."
"Esse processo de procura de
uma nova data tem a ver com o próprio processo de escrita da história. Não
podemos esquecer que a partir dos anos 1970 e 1980, existe toda uma narrativa
que busca colocar em determinados agentes o seu protagonismo no processo de
compreensão do passado", prossegue Reis.
"Historiografias mais
tradicionais, do começo do século 20, encaravam e colocavam como data fulcral
para a questão da libertação dos escravos o 13 de maio", frisa o
historiador. Mas, conforme ele explica, muitas vezes história e memória
caminham juntas e a "construção memorialística" têm a ver com a forma
de construção da narrativa. "Justamente nesse ponto, para conferir
protagonismo ao negro, se coloca a figura do quilombo dos Palmares e o processo
de luta frente ao domínio colonial", contextualiza.
O pesquisador Paulo Rezzutti, autor
de diversos livros sobre o período monarquista brasileiro, reconhece a
importância dessa revisão mas, ao mesmo tempo, preocupa-se em valorizar também
a questão de gênero: Isabel, uma mulher do século 19, teve um papel importante
na história do Brasil.
"Toda
tradição é inventada, isso é um fato. Estamos vendo uma
parte da sociedade brasileira criar uma nova tradição na qual os movimentos
negros assumem o protagonismo por meio do discurso de uma luta ancestral dos
escravizados africanos no Brasil pela sua liberdade", comenta ele.
"Anteriormente, o discurso
dessa luta estava bastante ligado ao 13 de maio e à figura da princesa Isabel
por causa da data em que foi assinada a Lei Áurea. Tanto a luta ancestral dos
escravizados quanto a luta pela abolição da escravatura são importantes",
acrescenta Rezzutti. "O que eu tenho percebido é que parte
dessa nova tradição tenta se estabelecer buscando anular o 13 de maio, e com
isso o protagonismo de uma mulher, diminuindo a sua participação no processo,
assim como também a de outros protagonistas negros envolvidos na abolição da
escravatura."
BBC/G1

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